Institucional não é sinónimo de boring.
Estava a ver o telejornal sobre a cimeira da NATO em Haia. Líderes reunidos, discursos alinhados, câmaras apontadas. E atrás deles... um backdrop institucional que mais parece um PowerPoint de 2002.
Um padrão descontextualizado, sem estrutura, sem peso simbólico. O logotipo da NATO repetido em mosaico, sem hierarquia, sem contraste, sem qualquer intenção visual. Uma marca que devia projetar autoridade, mas transmite desatualização e um poder que não existe mais.
E isto importa? Importa tudo.
Num mundo onde China, EUA e Israel lideram em inovação, da inteligência artificial à indústria bélica, a NATO surge como uma detentora de poder enfraquecida. Não pelos meios que tem, mas pela imagem que projeta.
Imagem é poder. Comunicação é presença. E a narrativa, hoje, é uma arma.
O design institucional já não é detalhe estético, é estratégia em forma visual. Hoje, esses países não só investem em tecnologia, inovação e defesa, mas investem também na forma como comunicam tudo isso ao mundo.
A NATO surge, nesta equação, como uma marca cansada:
– Sem presença gráfica adaptada aos tempos
– Sem discurso visual com força
– Sem sistema que a torne relevante para as novas gerações
E isso mina a perceção de autoridade.
Uma organização que representa segurança não pode parecer frágil
O símbolo da rosa-dos-ventos tem força. Mas está mal aplicado. Está datada, encurralada num quadrado azul escuro, com uma tipografia que já não transmite força, apenas passado.
A cor azul transmite estabilidade, mas está apagada.
A NATO representa mais de 30 países. Mas a sua marca parece representar meia dúzia de técnicos de gabinete. A ausência de um sistema gráfico robusto, adaptável e emocional é visível.
A marca da NATO está parada no tempo, e isso é um problema.
Imagem institucional é soft power
Quando falamos de defesa, falamos também de influência e esta não vive apenas de armamento ou aliança, mas de símbolos, de tom, de clareza e imagem.
A forma como uma organização se apresenta ao mundo molda a forma como o mundo a vê, não para mudar o que representa, mas para enfatizar o que quer dizer, para ser assertiva, para ter poder, e comunicar o que pretende com iinfluência e impacto.
A NATO foi, durante décadas, o símbolo máximo de poder militar e estabilidade no Ocidente, mas hoje, perde terreno. Perde influência económica. Perde peso simbólico. Perde impacto mediático.
Enquanto outros blocos avançam com propaganda, campanhas agressivas, conteúdo emocional e branding de guerrilha, a NATO continua a falar baixo, a vestir azul esbatido e a usar fontes tipo Times New Roman.
O mundo mudou. E quem não acompanha, desaparece.
A NATO precisa de um sistema de marca vivo, emocional e com peso estratégico. Precisa de comunicar com quem nasceu depois do 11 de Setembro. Precisa de reenquadrar a sua missão, unir os países que representa, não apenas por tratados, mas por símbolos e narrativa.
Porque hoje, a verdade é esta: quem não comunica, não lidera. Quem não tem presença, não tem influência. Quem não tem marca, não tem voz.
O que a nato precisa é de redesign ou de rebranding?
Vamos ser claros: a NATO não precisa apenas de um facelift gráfico, precisa de clareza estratégica, reposicionamento simbólico e um sistema visual que esteja à altura da sua nova missão.
O logotipo atual não é o problema, é o que ele não faz. Não traduz propósito. Não cria ligação. Não impõe respeito. É estático, frágil, e vive preso ao passado.
O mundo mudou. E a NATO também precisa de mudar. Pelo menos, na forma como se apresenta.
O que está em causa não é só o visual. É a forma como a marca comunica, se posiciona e se adapta ao contexto atual.
Ou seja: o que a NATO precisa não é um redesign. É um rebranding.
Redesign ≠ Rebranding
Confundir os dois é o erro mais comum, e o mais perigoso.
Mudar o visual é fácil. Mudar a percepção, o discurso e o posicionamento, isso exige visão e nem sempre é preciso.
Redesign é quando se atualiza o aspeto, o visual: muda-se o logotipo, escolhe-se uma nova tipografia, ajustam-se as cores. Serve quando a marca está sólida, mas precisa de um ar mais atual.
Rebranding, por outro lado, é reposicionar a marca por completo. É repensar o propósito, a forma como comunica, o tom, a visão. É alinhar o que a marca mostra com aquilo que o mundo precisa de entender dela. E aplica-se quando a marca já não se revê no seu tempo, no seu público, ou no seu impacto.
Redesign é como mudar de roupa. Rebranding é como mudar de postura na vida. Um ajusta o que se vê por fora. O outro redefine a forma como te posicionas, como falas, como és percebido.
A NATO não precisa só de parecer mais atual, precisa de voltar a ser percebida como relevante, forte, unida e presente.
E isso não se faz com retoques, faz-se com reposicionamento, visão e uma nova narrativa.
Não basta parecer. É preciso significar, ter propósito e ter uma imagem e comunicação alinhada com o seu propósito.
E a NATO, neste momento, precisa de mais do que um retoque gráfico. Precisa de clareza, de intenção, de rever a estratégia, de rever o posicionamento e de uma identidade que reflita a sua nova identidade, capaz de responder e de se impor num mundo em crise, que fale com o mundo de hoje, e não com o mundo que já foi.
Exemplos de quem fez bem feito
Há marcas institucionais que mostraram que o peso do público não tem de ser sinónimo de desinteresse, rigidez ou desatualização. Quando bem feito, branding institucional pode ser forte, humano e estrategicamente impactante.
Aqui ficam quatro casos exemplares,
GOV.UK
Lançado em 2012 pela equipa interna do Government Digital Service (GDS), foi um rebranding arrojado que unificou todos os sites governamentais britânicos numa plataforma digital-first. Minimalista, eficiente e orientada pelo utilizador, a nova identidade valeu-lhe o prémio Design of the Year em 2013. A abordagem continua a evoluir: em fevereiro de 2024 estreou o sistema de design institucional com a nova cor da coroa Tudor sob o reinado de Charles III. Este projeto não foi apenas gráfico, foi uma reinvenção estratégica da presença do Estado no digital.
NSW Government
Em 2020, o Governo do Estado de New South Wales, na Austrália, encarregou a agência For The People de transformar um portefólio fragmentado de mais de 800 marcas numa brand única e coerente.
O rebranding preservou o símbolo da Waratah, flor emblemática, mas integrou-o num sistema visual acessível, flexível e preparado para plataformas digitais. O resultado foi uma arquitetura de marca unificada, implementada por milhares de entidades governamentais, com reconhecimento global como case study de design público .
UN
O logótipo da ONU é um caso raro e exemplar de identidade institucional que, apesar de ter sido criado em 1945, continua a funcionar no presente. O mapa-mundo visto do Polo Norte, ladeado por ramos de oliveira, é um símbolo de paz, diplomacia e unidade global. Não precisa de explicação. É reconhecido, respeitado e lembrado em qualquer contexto.
A sua força está na simplicidade e no simbolismo universal. E isso faz com que, mesmo sem grandes alterações gráficas ao longo das décadas, continue atual. A tipografia pode ser neutra. A paleta pode ser limitada. Mas o valor simbólico é inquestionável. Não há ruído. Não há dispersão. Há um sistema identitário coerente, amplamente adotado, que cumpre o seu papel com discrição e autoridade.
O caso da ONU mostra que não é preciso mudar tudo para continuar a ser relevante. Quando a base é forte e o símbolo tem verdade, a longevidade é um trunfo, não uma fragilidade.
É um lembrete importante para marcas públicas: modernidade não vem sempre de mudar, às vezes vem de sustentar com consistência o que já representa valor. E a ONU é prova disso.
UN Women
A UN Women nasceu em 2011 e construiu a sua identidade com uma abordagem de restyling contínuo.
A equipa interna, em conjunto com parcerias como a Riseup Labs, permitiu aplicar a marca com força emocional em campanhas como HeForShe e Orange the World. O foco foi reforçar o valor simbólico e a consistência gráfica, sem nunca perder o ADN ativista internacional .
NASA
Em 1975, a NASA encomendou à dupla Danne & Blackburn o icónico logotipo “worm”, uma tipografia futurista repensada como símbolo de inovação gráfica. Embora tenha sido substituído em 1992, o “worm” regressou em 2020, reaparecendo em missões da SpaceX e em itens promocionais.
Esta reintegração estratégica e rebranding revival reforçou o prestígio visual e cultural da NASA, ligando passado e futuro através de um design com peso simbólico.
O que está em causa não é apenas um logotipo antigo ou um backdrop desatualizado. É a perceção pública de uma das maiores alianças militares do mundo e a forma como essa perceção impacta a sua legitimidade, influência e autoridade.
A NATO não precisa de mudar quem é, precisa mostrar com clareza, força e intenção quem ainda é.
E isso só acontece com um rebranding sério, estratégico e contemporâneo,um que as pessoas reconheçam, sintam, e no qual se revejam. Um rebranding capaz de traduzir valores com clareza num mundo cada vez mais distópico, complexo e fragmentado.
Como dizia Paul Rand, o designer que criou a identidade da IBM: