Os gigantes atrás das marcas: o impacto invisível dos líderes na alma das marcas
Esta semana, Anna Wintour anunciou a sua saída da direção editorial da Vogue, e o que pensei imediatamente foi “É o fim de uma era.”
Para quem amou ver O Diabo Veste Prada, para quem se emocionou com The September Issue, The First Monday in May, ou até com o episódio de Game Changers da Bloomberg… esta notícia não é só uma transição de cargo. É quase como se alguém tivesse fechado as luzes de um palco que era só dela.
Anna Wintour é a Vogue. Sempre foi.
Mesmo quando haviam outras líderes carismáticas, como Carine Roitfeld, na Vogue Paris, ou Franca Sozzani, na Vogue Itália, a última palavra, a nível global, sempre foi da Anna.
O impacto dela foi muito além das páginas da revista. Anna não geria apenas uma publicação. Ela comandava uma indústria inteira.
Foi ela que decidiu, durante décadas, o que entrava (ou não) nas coleções dos designers, o que subia à passerelle, o que definia o estilo de uma geração, quem se tornava (ou não) um modelo, um designer famoso. Elevou os maiores criadores, deu palco a quem merecia ser visto e tinha uma forma muito peculiar de gerir tudo, era assertiva e até prepotente, quase brutal, numa razão muito dela, exigente, mas que alimentou a sua visão brilhante de como a moda devia ser.
Eu, pessoalmente, sempre admirei isso nela, porque foi também essa postura que lhe permitiu impor-se, num mundo ainda dominado por homens, numa indústria que durante décadas foi tratada como um assunto menor por ser associada às mulheres.
E agora, com a sua saída confirmada, a pergunta que se impõe já não é só: “O que será da Vogue sem Anna Wintour?” mas, "O que será da moda sem ela?”
Mas esta pergunta abre espaço para outra, ainda maior “O que acontece às marcas ,ou mesmo às indústrias, quando perdem o seu eixo de influência?”
As marcas que vivem de pessoas
Há marcas que vivem dentro de produtos. Outras, dentro de experiências, mas algumas vivem dentro de pessoas, aliás, são essas pessoas.
São marcas moldadas à imagem de quem as criou, inventou, liderou ou simbolizou.
E quando essas figuras saem de cena, o que fica?
Foi isso que me levou a escrever este artigo.
Porque Anna Wintour não é, ou foi, a única personalidade que era a marca em si, Steve Jobs ou Elon Musk mostraram, cada um à sua maneira, o que significa ser o rosto, o pulso e o centro de gravidade de uma marca.
E o que acontece quando essa presença se transforma, se retira ou se desgasta. Quando essas figuras saem de cena, ou têm atitudes mais excêntricas?
Vamos falar sobre isso, sobre os eixos, sobre estes legados, e sobre a influência invisível que molda aquilo que consumimos, seguimos, e admiramos.
A marca pode entrar numa zona de vazio: de identidade, de falta de direção, de alma, porque quando um líder de influência desaparece, o risco não é só operacional, mas emocional, simbólico e estratégico.
O poder invisível da persuasão
Influência não é uma questão de volume, é algo intangível, uma questão de estrutura, de personalidade, de força, de diferenciação e de presença.
Nenhum dos quatro líderes que aqui analiso se limitou a ter só ideias, mas cada um soube fazer com que as suas ideias acontecessem através dos outros.
Robert Cialdini, com as suas sete armas de influência, fala dos princípios que nos ajudam a perceber por que seguimos certas pessoas, escolhemos certas marcas e confiamos em determinadas vozes:
/ Autoridade – seguimos quem sabe (ou parece saber)
/ Escassez – queremos o que é raro
/ Prova Social – fazemos o que os outros fazem
/ Reciprocidade – respondemos a quem nos dá algo
/ Consistência – valorizamos quem mantém a palavra
/ Compromisso – quando assumimos algo, queremos manter
/ Afinidade (Liking) – dizemos “sim” a quem gostamos
Jobs, Wintour, Musk, Gates, não aplicaram estas ideias como fórmulas, mas incorporaram-nas nos seus gestos, decisões e discursos, e, ao fazê-lo, tornaram-se eixos de influência das marcas que lideraram, ou ainda lideram.
Anna Wintour & Vogue
Anna Wintour não fundou a Vogue, mas foi ela que lhe deu gravidade, que a dotou de poder de influência e a tornou no gigante editorial, simbólico, cultural e de identidade que é hoje em dia.
Durante quatro décadas, não foi apenas editora-chefe, mas a voz invisível por trás da forma como o mundo inteiro passou a entender a moda. Mais do que selecionar capas, ditava narrativas.
A sua estética e branding pessoal era o seu statement: bob com franja imaculada, óculos escuros, postura contida, assertividade elegante, prepotente e cruel. Não precisava de gritar para se fazer ouvir, bastava estar presente e virar os olhos. A autoridade, para Anna, era construída com presença e critério. A autoridade era a Anna.
Foi o pai que a ensinou a ver o mundo como uma estrutura.
Charles Wintour, jornalista de referência e diretor do Evening Standard, não a levou até à Condé Nasté, mas preparou-a para a sua carreira. Incutiu-lhe a disciplina da edição, o respeito pelo poder de uma boa narrativa, e o instinto de que liderança verdadeira não se pede, assume-se.
Anna cresceu rodeada de cultura, rigor e silêncio editorial. Aprendeu cedo que o poder da comunicação está tanto no que se diz como no que se omite e esse olhar estruturado moldou a líder.
E foi com esse código que entrou na Condé Nast, primeiro em Londres, mais tarde em Nova Iorque.
E, em 1988, foi escolhida para liderar a Vogue US, pela visão e postura que tinha.
Desde então, foi ela quem comandou a estética global da moda. Mesmo com outros nomes carismáticos, como Carine Roitfeld na Vogue Paris ou Franca Sozzani na Vogue Itália, a última palavra sempre foi dela.
Mas a sua influência foi muito além das páginas da revista. Mais que gerir uma publicação de moda, ela geriu e ditava, ou melhor, comandava a indústria da moda. Foi Wintour quem sempre decidiu o que entrava (ou não) nas coleções dos designers, o que subia à passerelle, o que definia o estilo de uma década.
Cialdini explica que autoridade é uma construção simbólica e Anna Wintour dominava essa construção de forma instintiva. A forma como se vestia, o tom que usava nas reuniões, o silêncio que pairava antes de decidir. Tudo nela comunicava uma coisa: “sou eu que decido”.
Mas a sua força ia além da presença. Sabia usar a prova social com mestria.
Foi ela que elevou o Met Gala de evento beneficente para palco global de influência e estatuto. Fez do evento um local, um momento onde o estatuto se mede pela presença, ou pela ausência. No Met, mais que mostrar os melhores looks, são mostrados quem está ou out de cena. Quem está, entra no radar da cultura e influência global, quem não está, sente-se fora, e quem quer entrar, sabe que precisa ser escolhido, por ela.
Wintour soube sempre que o prestígio de uma marca também se constrói com controlo:
do tempo, do acesso, da narrativa, e foi isso que transformou a Vogue numa instituição com gravidade própria.
A sua saída, anunciada em 2024 e agora concretizada, marca o fim de uma era, e o início de uma incógnita. Não só para a Vogue, mas para todo o ecossistema da moda.
Quando a figura que organizava o discurso coletivo desaparece, o risco é a fragmentação, e a marca perdo perder o seu centro. Edurante décadas, esse centro foi Anna.
A Vogue tem agora um desafio estratégico e simbólico: reinventar-se sem se perder.
Porque substituir um ícone não é apenas preencher um cargo, mas reconstruir um eixo.
Num mundo que grita por estrutura, por direção, por valores, Anna Wintour era a síntese desse equilíbrio e a suma de um carácter irrepreensivel. Vinha de um mundo onde havia critérios, onde a cultura e bom gosto não era algoritmo, e onde a moda não era só produto: era discurso, era política silenciosa, era influência cultural e de identidade.
A Vogue não era apenas uma revista com uma editora. Não era apenas uma publicação com capas bonitas. Era, e ainda é, uma instituição com uma figura-símbolo. Uma aspiração para milhares de pessoas que olham e querem pertencer.
Substituí-la não é atualizar uma função, mas reativar um centro de gravidade, e fazê-lo num mundo que gira cada vez mais fora de órbita.
Steve Jobs & Apple
Revisitando outros gigantes de influência, Steve Jobs não construiu apenas uma marca, construiu uma linguagem.
A Apple, nas suas mãos, deixou de ser uma empresa de tecnologia para se tornar um manifesto cultural e minimal. Cada detalhe, desde o design dos produtos, ao packaging, ao tom das campanhas, era intencional. Jobs entendia que vender tecnologia era vender experiência, e experiência não se mede em gigabytes, mede-se em emoção.
Em 1997, a Apple lançou Think Different, uma campanha que não falava de produtos, mas de valores. Evocava Einstein, Gandhi, os “loucos” que mudam o mundo. Era menos sobre hardware e mais sobre atitude. Com isso, Jobs reposicionou a Apple como o símbolo de uma nova geração criativa.
Jobs não vendia produtos. Vendia visão, e foi um dos maiores mestres a aplicar a escassez (Cialdini) como ferramenta de desejo: lançava os seus produtos com suspense calculado, usava o icónico “One more thing…” como clímax emocional, limitava o acesso, e assim fazia de cada novo lançamento um objeto de culto.
O que é raro torna-se relevante, e na Apple de Jobs, menos sempre significou mais.
Mas ele também dominava outro princípio: consistência. Nada era deixado ao acaso, nem o design, nem a linguagem, nem a postura. Tudo era coerente com a promessa: simplicidade radical ao serviço da criatividade. e cedo entendo o poder do marketing e de vender uma sensação, uma forma de pertença e não apenas uma commodity.
Quando Jobs morreu, em 2011, a dúvida era inevitável: seria a Apple capaz de continuar sem o seu arquétipo?
Tim Cook, o sucessor, não tentou replicar Jobs, mas institucionalizou o seu pensamento.
O que era carisma virou cultura. A Apple não só sobreviveu como prosperou, e ainda hoje soa a Jobs, ainda hoje Apple é Jobs. Porque ele não deixou apenas uma marca, deixou um método, um legado, uma forma de estar. A sua influência continua ativa, mesmo ausente.
Rui Nabeiro & a Delta Cafés
Um legado que não precisa de manual de marca. A história da Delta dava um artigo só por si, de tão rica, tão genuína, tão portuguesa e tão merecedora de atenção.
É a história de um homem que não estudou marketing, mas praticava, com naturalidade, tudo o que hoje chamamos de branding emocional.
Rui Nabeiro não falava de fidelização, mas criava laços como ninguém. Todos os fins de semana, recebia parceiros e clientes na sua quinta, em Campo Maior. Sentava-os à mesa. Escutava. Ligava-se. Desde cedo entendeu que não vendia café, criava pertença, ainda que o fizesse de forma despropositada, sem buzzwords, sem métricas, só presença, carisma e autenticidade.
Foi isso que tornou a Delta numa das marcas mais amadas do país, um produto com alma, uma empresa com rosto, uma marca com lugar.
Quando partiu, Portugal inteiro sentiu, mas o mais bonito ficou.
Rui Nabeiro, apenas com a 4ª classe, construiu com coração, com visão, com inteligência emocional e estratégia com um know how que lhe era naturalmente intrínseco. O seu neto, Rui Miguel Nabeiro, entrou sem o copiar, mas mantendo a visão do avô, e a Delta seguiu forte, porque quando o legado é vivido, não precisa de ser reinventado.
Este é o exemplo perfeito de influência sustentável, silenciosa e sentida. Porque quando uma marca cresce com verdade, não precisa de uma pessoa só, mas de um propósito que fique.
Neste caso, ficou, nas mãos do neto Rui Miguel Nabeiro, nas gentes do Alentejo e no coração de Portugal inteiro.
A Delta não é só café. É memória viva. E Rui Nabeiro, mesmo para quem nunca o conheceu,
ficará para sempre como alguém da família, do nosso Alentejo.
Homenagem by The Empower Brands House
E-ternamente by Ivity Corporation
Elon Musk & Tesla / X / SpaceX
Se Jobs criou um culto, Musk fez da polémica o seu megafone, mas enquanto Jobs encantava, Musk divide. Mas ambos compreenderam o essencial: numa era de ruído, quem comanda a atenção, comanda o mercado.
Musk não é apenas CEO, é mascote, meme e protagonista.
No lançamento da Cybertruck, em 2019, o vidro "inquebrável" partiu-se em direto, o que seria um desastre transformou-se em viralidade, e as encomendas dispararam.
Musk tem o dom de transformar falhas em fascínio.
O erro era o espetáculo.
E o espetáculo era a estratégia.
Mas por trás dessa figura caótica, há um propósito estruturado.
A visão da Tesla é clara: tornar os veículos elétricos tão desejáveis que ninguém sinta falta do passado. Carros de alta performance, design apelativo, tecnologia de ponta.
Tudo com o objetivo de tornar a energia limpa mais sexy, mais rápida, e mais inevitável.
A Tesla não nasceu para competir no mercado automóvel. Nasceu para mudar o paradigma energético global. A missão oficial da Tesla é clara: “acelerar a transição do mundo para a energia sustentável”, e esse compromisso vai muito além dos carros, inclui baterias residenciais, painéis solares, infraestruturas de carregamento e uma visão sistémica de autonomia energética.
Mas Musk nunca se ficou pela missão da Tesla. Foi mais longe. Na sua visão, sustentabilidade é apenas o ponto de partida.
A ambição é interplanetária: idas a Marte, internet global via satélite, inteligência artificial para todos, uma espécie de sci-fi em tempo real, onde ele é autor, protagonista e financiador. Um egomaníaco movido pela sua sede de controlar o mundo.
Musk vive da prova social, pois quanto mais se fala dele, mais gente o segue. Quanto mais arrisca, mais reforça a sua imagem de génio imprudente. E é nesse limbo entre brilhantismo e loucura que constrói o seu branding pessoal. Quando o vidro do Cybertruck se partiu ao vivo, muitos acharam que fosse um fiasco, mas o vídeo viralizou, as pré-vendas aumentaram, e Musk mostrou como transformar um fracasso técnico num sucesso emocional.
Aplica também a afinidade, mas de forma polarizadora. Quem gosta de Musk, gosta muito, quem não gosta… acaba por amplificar a sua presença ao criticá-lo, mas no fundo, todos colaboram na construção da sua marca.
Quando a imagem da figura contamina a marca
E quando o rosto de uma marca se torna o seu maior risco?
Em 2025, Elon Musk voltou a ser manchete — não pelas suas inovações, mas pelo apoio político à extrema-direita e por ser braço direito de Trump no novo mandato na Casa Branca, surgiu o movimento global #TeslaTakedown.
Uma campanha de boicote ativa que pede que se deixem de comprar carros Tesla, que se vendam ações da empresa e que se proteste nas lojas.
Alguns consumidores removeram o logótipo dos seus próprios carros. Outros venderam-nos publicamente como forma de protesto.
A mensagem é clara: a marca já não é apenas produto. É posicionamento.
Cialdini fala de afinidade, de seguirmos quem gostamos, mas quando a figura se torna divisiva, a ligação quebra, e quando quebra, a lealdade desaparece.
Porque em 2025, o CEO não é só gestor, é símbolo, é risco reputacional, é vetor de perceção e de aprovação ou desaprovação.
E o que fica depois do gigante colapsar?
O que é que realmente fica quando uma figura deixa de estar à frente de uma marca?
Por vezes, fica o legado, outras vezes, o vazio, e nos melhores casos, fica uma cultura que sobrevive ao criador.
Steve Jobs deixou-nos cedo demais, mas deixou uma estrutura tão alinhada que ainda hoje conseguimos ouvir a sua voz no som do “click” da Apple. Anna Wintour saiu no auge, mas com a sua saída, o ecossistema da moda entrou em modo suspenso, à espera de novo eixo. Elon Musk continua presente, mas a pergunta já não é sobre a sua visão, é sobre os danos colaterais da sua persona.
Todos foram, ou são, marcas vivas. Figuras que concentraram carisma, visão, estratégia e, acima de tudo, poder e influência.
Mas quando uma marca se cola demasiado ao seu criador, ganha força simbólica, mas perde margem de reinvenção, e pode-se tornar refém da sua presença, e da sua ausência.
A verdadeira força de uma marca não está apenas no brilho do seu líder.
Está na capacidade de continuar a brilhar, mesmo depois de ele sair de cena, e isso também é criado pela cutura de marca inside the company. O legado manteve-se entre quem admirou o gigante, a força motriz por detrás da marca?
Rui Nabeiro deixou um legado