Da capa da Pepsi aos menus monstruosos: como o Halloween transforma marcas e consumidores
O que começou na Europa como um ritual importado evoluiu rapidamente para um espetáculo social e comercial. Bairros inteiros decoram as suas casas para receber centenas de crianças no “doçura ou travessura”, restaurantes criam menus temáticos e marcas de bebidas testam rótulos fluorescentes que brilham no escuro.
Esta mistura de influência americana e criatividade local desperta emoções fundamentais. O medo liberta adrenalina, o sentimento de pertença reforça a comunidade e a transgressão autorizada transforma emoções em matéria-prima do branding contemporâneo.
O peso económico do Halloween mostra bem a sua relevância. Nos Estados Unidos, espera-se que este ano a data gere cerca de 13,1 mil milhões de dólares, com um gasto per capita de 114,45 dólares, sendo o foco natural os doces. No Reino Unido, embora os números sejam mais modestos, a despesa deverá crescer 3,2 % para cerca de 616 milhões de euros, apesar de seis em cada dez consumidores afirmarem que irão reduzir despesas devido à inflação. Em contextos distintos, ambos os mercados mostram como tradição, medo e comércio se cruzam e revelam como as marcas captam a imaginação pública através de criatividade estratégica.
Embora ainda seja uma tendência emergente, as marcas portuguesas já seguem o movimento. Mesmo com campanhas mais discretas, utilizam o imaginário fantasmagórico ou alinham com o que acontece globalmente para criar proximidade.
O cérebro emocional por detrás do susto
Quando o medo está controlado, a descarga de adrenalina reforça a memória e aprofunda o envolvimento com a marca. Um susto breve seguido de uma gargalhada nervosa traduz-se num sentimento de conquista, gera histórias virais e deixa uma marca duradoura. As marcas utilizam este “jogo sombrio” ao proporcionar experiências que assustam sem magoar.
A partida assustadora da Ford em 2014 na lavagem automática prova isto mesmo. Atores mascarados de monstros surgiam de repente, o choque durava segundos, o alívio chegava logo a seguir e o vídeo tornou-se viral. Mostrou como a combinação de adrenalina e humor aumenta a recordação da marca.
Da rua para o ecrã
Atualmente, o Halloween afirma-se como ritual mediático. As redes sociais são palco de autoexpressão visual, onde surgem fotografias de disfarces, casas decoradas e chocolates temáticos. Os consumidores tornam-se criadores e distribuidores espontâneos de conteúdo de marca e as campanhas ganham escala sem custos adicionais. Por isso, iniciativas como o Mystery Mix da Hi-Chew funcionam tão bem. A marca lançou uma mistura de rebuçados com sabores inesperados (a lembrar os Bertie Bott’s Every Flavour Beans do Harry Potter), desafiando as pessoas a descobrir um novo sabor secreto. Quem acertasse entrava num sorteio de 2.500 dólares. Embalagens de edição limitada e um website com pistas incentivaram milhares de provas e partilhas.
No setor das bebidas espirituosas, a Svedka Vodka levou a interatividade do Halloween mais longe com a sua “Banner Ad Curse”. Um vídeo anunciava ao utilizador que tinha sido amaldiçoado e, a partir daí, através do histórico de navegação e localização do utilizador
. banners personalizados surgiam em vários sites, em
As mensagens eram tão específicas quanto inquietantes: “Adoro seguir-te por Nova Iorque”, “Não devias estar acordado a esta hora”, “Estou dentro dos teus dados online”, “Estou no teu telemóvel a pedir ajuda?”.
Para libertar a maldição, o utilizador precisava de entrar no hub da campanha e partilhar um link com amigos. Quando estes clicavam, o ciclo recomeçava. Personalização, humor negro e viralidade ao serviço do medo lúdico.
Quando marca usa máscara
O Halloween dá às marcas uma desculpa irresistível para rivalidades divertidas e storytelling ousado.
Um caso emblemático aconteceu em 2013, quando a Pepsi publicou no Facebook uma imagem da sua lata azul com uma capa vermelha da Coca-Cola, acompanhada da frase “Desejamos-te um Halloween assustador!”. A intenção era mascarar-se de rival e provocar. Mas um fã da Coca-Cola alterou a legenda para “Todos querem ser um herói” e republicou. A piada virou homenagem acidental, e provou como o público pode apropriar-se da narrativa para reforçar ou subverter a mensagem. A imagem tornou-se viral e espalhou-se por por todas as redes sociais. A Coca-Cola saiu reforçada sem ter de fazer nada. O episódio mostra a dinâmica entre intenção da marca e participação do público: a criatividade não termina na publicação da marca. A comunidade pode assumir o protagonismo e ter uma participação ativa no caminho da marca.
Em 2019, a BMW recorreu a uma forma de humor similar para provocar a principal rival.
Na véspera de Halloween, publicou no X/Twitter uma foto de um Mercedes E 53 AMG coberto com uma lona da BMW, insinuando que queria disfarçar-se de M5. A legenda sugeria que até a Mercedes tinha medo do poder da BMW. A resposta veio com ironia educada: a Mercedes retweetou* e comentou que preferia deixar os sustos para a grelha frontal dos seus modelos. A troca viral mostrou que rivalidade e fair play podem coexistir e que o Halloween não é exclusivo de marcas infantis ou de doces. Até fabricantes de automóveis podem entrar no jogo com humor.
*Desde 2021, o antigo grupo Daimler dividiu-se em duas entidades: Mercedes-Benz Group, para automóveis de luxo como a Classe E, e Daimler Truck, para veículos comerciais.
Este ano, o Burger King elevou o conceito de menus temáticos com o lançamento do “Monster Menu”, uma oferta completa inspirada em criaturas icónicas.
Incluía o Jack-O-Lantern Whopper, com pão laranja e sementes pretas a lembrar uma abóbora esculpidas, os Vampire Nuggets, em forma de asas de morcego e presas, servidos numa caixa em forma de caixão, as Mummy Mozzarella Fries, tiras de queijo envolvidas num empanado dourado como ligaduras de múmia e o Franken-Candy Sundae, com toppings verdes e roxos de rebuçados que estalam na boca.
O objetivo era criar uma experiência divertida onde cada item contava uma história visual e sensorial.
Já o McDonald’s recuperou os “Boo Buckets”, baldes reutilizáveis que servem de embalagem para o Happy Meal e depois se tornam baldes de doçura ou travessura. Esta edição trouxe duas novas personagens, um gato e um zombie, reavivando a nostalgia dos pais que colecionaram os baldes nos anos oitenta. O sucesso está na capacidade de alimentar o imaginário coletivo do Halloween, o desejo de transgressão segura e o tom lúdico que incentiva conversa e partilha.
Oportunidade de segmentação e fandom
O Halloween permite que as marcas falem a nichos muito específicos sem perder relevância. Gamers e fãs de terror preferem experiências imersivas, enquanto famílias procuram atividades seguras, foodies celebram receitas temáticas, amantes de design valorizam decoração e colecionáveis. Tudo coexiste com um facto central: grande parte do orçamento vai para doces, e daí a razão de tantas campanhas serem focadas em chocolates e guloseimas.
Destacam-se ações como a M&M’s “Halloween Rescue Squad”, que, pelo terceiro ano nos EUA repõe doces aos consumidores que ficarem sem stock a partir das 17h, nas zonas servidas pelo Gopuff. A marca também distribui kits gratuitos “Treat & Greet” com M&M’s e merchandising. A lógica é simples: antecipar o medo de ficar sem doces e garantir presença na reposição.
A Mars, marca mãe da M&M’s, lançou os packs “Tails & Treating” para quem celebra com animais de estimação. Cada caixa junta Snickers, Skittles e M&M’s para humanos com snacks Greenies para cães e gatos, molhos Pedigree e colheres Temptations para felinos, disponíveis online por pouco mais de dez dólares. A ação dirige-se aos 43% dos consumidores que planeiam gastar com os seus animais nesta data.
Ao falar diretamente a tribos e emoções, estas iniciativas criam proximidade e transformam consumidores em defensores da marca, e mostram que há bastante espaço criativo para além das guloseimas.
A doçura da personalização
A escassez e o colecionismo aumentam o desejo. Embalagens temáticas e edições limitadas tornam-se objetos cobiçados.
A Sweethearts, conhecida pelas mensagens do Dia de São Valentim, lançou a edição “Ghosted Sweethearts”, com corações brancos sem mensagens. A ideia joga com a prática moderna do “ghosting”. Quem oferece recebe um código para enviar uma mensagem única até 31 de outubro através de apps e redes sociais. Mostra que até marcas de outros calendários podem conquistar o Halloween se tiverem narrativa relevante.
O mesmo acontece com os vinhos 19 Crimes e packs da Vita Coco. A 19 Crimes associou-se aos estúdios Universal e transformou rótulos em aventuras multimédia: imagens que brilham no escuro com Frankenstein. A Noiva de Frankenstein e A Múmia, com experiências de realidade aumentada que dão vida às personagens. Esta colaboração, disponível pela primeira vez na Europa, Médio Oriente, África, ásia e Oceania, apela a cinéfilos e coleccionadores de memorabilia.
Vita Coco, por sua vez, lançou kits de edição limitada que incluíam uma bebida de coco e uma figura Labubu, uma personagem de um universo de brinquedos colecionáveis. Os packs esgotaram em apenas dez minutos, o que evidencia a procura por itens raros e tangíveis.
A escassez deliberada e a natureza ritualística do Halloween, uma celebração que ocorre apenas uma vez por ano, incentivam a compra imediata. Estes produtos mostram como a narrativa de exclusividade e tempo limitado pode transformar um artigo comum num objeto muito desejado.
A ética do susto
Brincar com o medo exige responsabilidade. As marcas devem evitar ofender crenças religiosas, recorrer à violência ou promover body shaming. O susto inteligente tem mais impacto do que o choque gratuito. O acolhimento positivo de iniciativas como os baldes do McDonald’s mostra que a irreverência pode respeitar limites sociais.
Cenário futuro
O futuro do Halloween dependerá de experiências imersivas e mundos virtuais. Realidade aumentada e inteligência artificial, combinadas com digital everywhere, podem transformar ruas e lojas em ambientes assombrados. Dados comportamentais permitirão personalizar sustos por perfil e dar ao publico experiência completamente fora deste mundo.
Esta evolução tecnológica exige ética: explorar o medo sem invadir nem saturar. O out-of-home ganhará protagonismo. Imagine espectros a atravessar ecrãs LED gigantes num centro comercial ou projeções a criar ilusões nas fachadas de prédios históricos. O potencial para experiências sensoriais no espaço público é enorme. Quem começar já com filtros de RA, escape rooms virtuais e OOH interativo ficará na linha da frente quando o terror físico-digital for mainstream.